quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A porteira

Helenaldo Tristão

Tem uma estória de uma certa porteira mal assombrada lá pras banda de Curtelinho, cidadezinha pequena e pacata, que arrepia até mesmo aqueles mais matuto de lá.
Dizem que aquela porteira, feita de pinho, madeira nobre, com três paus na horizontal e três na vertical, se abre sozinha e bem devagar sempre que a meia noite o relógio tocar. Quem mora por perto e não tem coragem de ir lá, escuta todas as noites seu longo e estridente rangir, que entra pelos ouvidos e percorre todo o corpo até o calcanhar.
Ladeado de árvores centenárias e já secas um caminho por terra se vê bem ao longe uma velha e oponente casa, antiga e já não habitada. Contam que o convite da porteira é para entrar, e conhecer a história que agora vou contar.
Há algumas dezenas de anos morava ali um fazendeiro, rico plantador de café, conhecido por nome de Manoel Feijó, mas era mais conhecido ainda por sua ganância e arrogância. Manoel era viúvo e tinha apenas uma filha, Mercedes, menina bem educada e estudada, de olhos azuis como o céu e pele branca como algodão. O Fazendeiro Feijó, homem mais rico daquelas bandas, possuía muitos escravos como empregados na colheita de feijão, que viviam livremente em pequenos acampamentos dentro da propriedade. Não era generosidade mas sim um pedido da filha Mercedes que queria para aquela gente um pouco de felicidade.
João, o escravo que cuidava dos animais, um mulato forte e fisionomia arredia um dia se sentiu encantado, quando Mercedes firmou aqueles olhos azuis em seu olhar. Daí em diante João não mais conseguiu disfarçar, seu coração acelerava toda vez que via ela chegar. Uma bela noite de calor Mercedes disse ao pai que ia cavalgar, encontrou João no estábulo, pediu a ele um garanhão arrumar, feito o serviço, o cavalo a ela ele foi levar, então com um beijo em seu rosto ela agradeceu, foi aí que aquele enorme mulato se sentiu uma criança e começou a chorar. Mercedes segurando sua mão o convidou-o a com ela cavalgar, João de imediato lhe disse não, sabendo de sua situação, um simples peão.
Dias se passaram e o amor proibido crescia a cada dia nos dois corações. Mas um dia ou outro um dos dois não ia agüentar, o escravo então resolveu despedir-se da moça para nunca mais voltar. Foi nesta noite que o amor aconteceu, ali no estábulo em meio ao relinchar dos cavalos e o cheiro de capim. Ela não quis deixa-lo ir, mas ele com medo do que poderia vir, foi embora no outro dia sem se despedir.
Sete longos meses se passaram e Mercedes não conseguia mais disfarçar sua barriga, afinal carregava no ventre duas crianças. Seu pai então furioso disse que esses negros ali não podiam nascer, mandou então abortar. Mercedes se negou e com o pai nunca msi falou. Mas o orgulho do fazendeiro era maior, numa noite fria onde Mercês se punha a caminhar pela fazenda e a pensar no seu amado que se foi sem menos saber que seria pai, ouviu se pelos escravos que dormia um barulho como um trovão, que ecoou por toda fazenda e logo trouxe com sigo um silencio assustador. No outro dia bem cedo se descobriu que aquele não era um trovão mas sim um tiro certeiro que atingiu Mercedes bem em seu coração.
A maldade do pai não teve comparação interromper a vida da filha sem compaixão, por causa do orgulho ele não teve perdão, um ano se passou e Deus lhe tomou a visão, mais um ano se passou e ele fez parar seu maldoso coração.
A fazenda foi se esvaindo e tudo que nela havia morreu, as plantações os cavalos os rios, os escravos foram embora, foi daí então que num longínquo sertão, João foi saber da terrível maldição, pegou seu alazão e cavalgou cinco dias e cinco noites para voltar onde deixou seu coração. Desceu do cavalo em frente a porteira, ali se ajoelhou, e em soluços a Mercedes pediu perdão, por não ter coragem de enfrentar o fazendeiro os seu filhos nunca conheceu. Ali ele passou a noite, ajoelhado em frente a porteira.
Nunca mais se viu João. Mas tem gente que já ouviu no tocar da meia noite o choro de um matuto, o ranger da porteira os passos de duas crianças e um beijo apaixonado.

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